O Canto da Cigarra: Sátiras às Mulheres

por Augusto Gil

Dedicatória
Prefácio
Intróito
A Virtude
O Amor
O Casamento E A Família
Trovas De Pero Botelho
Dísticos I A VIII
Dísticos IX A XVI
Dísticos XVII A XXIII
Graça Imortal
A Sabedoria Das Nações I A V
A Sabedoria Das Nações VI A XI
A Esmo

Junta-te!

VI - Devagar que tenho pressa

«Não sejas impaciente. Lá para o Verão, quando o papá sair mais de casa... As coisas querem-se pensadas. Devagar que tenho pressa.»

A Arnaldo Monteiro

Veio um lesmo de Amarante
Para casar em Lisboa
Com uma lesma galante
Muito rica e muito boa.

E veio do seu vagar,
Com toda a comodidade,
A fazer e a recitar
Baladas, odes, sonetos...

Quando chegou à cidade,
A noiva... já tinha netos!

VII - Antes que cases olha o que fazes

«É certo que o M. me pretende; mas antes que cases olha o que fazes.»

«Antes que cases
Olha o que fazes.»

O águia que engendrou esta sentença
Foi pássaro de curta e frágil asa.

Quem casa... Não pensa!
Quem pensa... Não casa!

VIII - Quem porfia mata caça

«A mamã está renitente; mas eu tanto lhe pedirei que ela há-de fazer-me a vontade. Quem porfia mata caça.»

Matou um caçador uma gazela
Mas depois de muitos dias
De esperas e de porfias,
De quartos de sentinela.

Mandou fazer do lombo um tenro e belo assado
Mas vem um gato, rouba-lho da mesa, e toca
A fugir como um danado.

«Do prato à boca
Se perde o bocado.
»

Se não logrou o melhor dela,
Mereceu a pena a estopada
De perder tanta passada
Com a arisca da gazela?...

IX - Gostos não se discutem

«Pois eu acho-a simpática e fico na minha opinião, apesar do que dizes. Gostos não se discutem.»

Não serei eu quem refute
O senso prudente e raro
Deste ditado. Está bem.

O gosto não se discute.
Não se discute, claro,
- Mas é com quem o não tem...

X - A palavra é de prata, mas o silêncio é de oiro

«Por dignidade, deixo sem resposta as tuas censuras. A palavra é de prata, mas o silêncio é de oiro...»

A sapiência barata
Lá reza no seu tesoiro
Que a palavra é fina prata
Mas que o silêncio - é oiro.

Assim será. Todavia,
Ao oiro de alta valia
Eu deixo-o pela primeira.

É sempre de mais efeito
A pratazinha caseira
Duma resposta - a preceito...

XI - Cavalo dado, não se lhe olha ao dente

A Manuel Gustavo

«Realmente, o vestido não é bonito. Deu-mo a prima L., e a cavalo dado não se lhe olha o dente.»

Quando o cavalo
De presente nos for dado,
É que é olhá-lo
Por detrás e por de lado
E pela frente...

E se for escanzelado,
Ou tiver mau dente,
Ou for besta velha,

Diz-se ao dono do presente
- Que não desmanche a parelha...